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Preciso Pagar o ITCD para Finalizar um Processo de Inventário?

Não se trata apenas de dúvida por parte de indivíduos envolvidos em processos de inventário, mas sim de incerteza que permeia a própria prática jurídica. Não é raro deparar-se com esse debate, e tampouco é incomum encontrar decisões que determinam a intimação do inventariante para comprovar nos autos o lançamento e recolhimento do do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis – ITCD como condição para o prosseguimento do feito.

O debate é tão presente que alcançou o Superior Tribunal de Justiça – STJ, por meio do trâmite dos recursos respectivos, como parte do Tema 1.074. Essa situação exigiu a intervenção da Instância Superior para uniformizar o entendimento de que, em casos de partilhas amigáveis, a conclusão do processo de inventário não está condicionada à comprovação do recolhimento do ITCD.

A discussão surgiu devido ao contexto do Brasil, onde parece que há a necessidade de explicar conceitos básicos, como o fato de que “coco é uma fruta que vem do pé de coco”. Isso ilustra uma possível resistência em relação às modificações e evoluções processuais estabelecidas pelos Códigos Processuais, e até mesmo uma possível resistência ao princípio do devido processo legal.

Porém, a fim de aprofundar a compreensão desse debate, é necessário entender as diferentes modalidades de processo de inventário estabelecidas pelo Código de Processo Civil. Embora a maioria da doutrina divida em inventário extrajudicial, judicial e negativo. O primeiro ocorre no cartório civil, por meio de escritura pública, o segundo se desenvolve no âmbito judiciário e o terceiro abrange situações em que o patrimônio é inexistente ou insolvente.

O Inventário negativo não pode ser considerado como um gênero, uma vez que se trata de uma condição que pode ocorrer tanto no inventário extrajudicial quanto no judicial. Por essa razão, essa classificação não é pedagógica e pode dificultar a compreensão.

Portanto, com o intuito de esclarecer essa discussão, adotar-se-á a classificação de inventário amigável ou litigioso. O inventário amigável, que também se configura como uma condição, pode ser realizado tanto na esfera extrajudicial como na judicial. Em contrapartida, o inventário litigioso somente poderá ser conduzido no âmbito judiciário.

O inventário amigável pode ser conduzido no cartório civil, em conformidade com a regra, quando não houver sucessores incapazes, existir um acordo mútuo entre as partes, ser assistido por um advogado e contar com a presença de um tabelião (art. 610, §§ 1º e 2º, do CPC/15). Por outro lado, o inventário litigioso será requerido quando houver sucessores incapazes ou discordância entre as partes de qualquer natureza.

Os críticos podem argumentar que o inventário amigável se confunde com o extrajudicial, já que uma vez preenchidos os requisitos, não há interesse em recorrer ao judiciário, devendo ser realizado no cartório civil. No entanto, é importante lembrar que diversos fatores podem impedir a tramitação extrajudicial, mesmo em casos amigáveis. Por exemplo, quando as partes são hipossuficientes e necessitam dos benefícios da assistência judiciária gratuita, ou quando há conflitos relacionados aos bens, como a ausência de documentos de comprovação de titularidade e discordância em relação a obrigações com credores, entre outros cenários.

Entretanto, no caso do inventário amigável, seja ele extrajudicial ou judicial, a partilha ocorre por meio do arrolamento de bens (art. 659, CPC/15). Nestas situações, não serão abordadas ou avaliadas questões relacionadas ao lançamento, pagamento ou quitação de taxas judiciárias e tributos incidentes sobre a transferência da propriedade dos bens do espólio (art. 662, § 1º).

Observa-se que a controvérsia em torno da necessidade de comprovar o recolhimento do ITCD para a conclusão de um inventário amigável ter chegado ao STJ por meio do rito dos recursos repetitivos não parece fazer sentido, considerando a clareza da lei e a ausência de espaço para interpretações divergentes. A questão não apresenta ambiguidade, lacunas ou inaplicabilidades. Não há razões lógicas ou racionais para adotar uma abordagem diferente, a não ser a necessidade de explicar algo tão básico quanto “coco é uma fruta que vem do pé de coco”.

A disposição legal vai além da dispensa da comprovação do recolhimento, pois também exclui a necessidade de abordar questões relacionadas ao lançamento dos tributos incidentes sobre a transferência da propriedade dos bens do espólio. Em outras palavras, o Código de Processo Civil dispensa a apresentação da GIA (Guia de Informação e Apuração) de lançamento do ITCD.

Além disso, a disposição legal vai mais longe, pois não serão consideradas ou analisadas questões referentes ao lançamento, pagamento ou quitação de taxas judiciárias. Isso significa que não deve haver impedimento para o prosseguimento do processo de inventário ou homologação da partilha e a emissão dos respectivos formais de partilha, mesmo em situações em que as custas judiciais não tenham sido recolhidas.

Adicionalmente, há outro ponto crucial que não deve ser ignorado: não poderá ser determinada a avaliação dos bens para qualquer finalidade (art. 661 do CPC/15). Evitando qualquer redundância, quando a disposição legal menciona “nenhuma finalidade”, isso inclui a não realização de avaliação para a apuração de taxas judiciárias e o lançamento do ITCD.

Nesses cenários, com relação à base de cálculo do ITCD, o art. 662, § 2º, separa a obrigação tributária do processo de inventário. Esse artigo estabelece que a apuração do ITCD será conduzida por um procedimento administrativo plenamente vinculado, específico de cada Estado. Essa apuração ocorre independentemente do procedimento judicial, sendo a responsabilidade do ente tributário apurar e receber os créditos eventuais. Quanto às taxas judiciárias, que são calculadas com base no valor da causa, se não houver discordância com credores (art. 663 do CPC/15), o valor da causa deve corresponder ao valor dos bens, como acordado em comum entre os sucessores.

Apesar de a leitura dos artigos 610, 612 e 659 ao 666 do CPC/15 aparentar não ser de difícil compreensão, na prática, surge uma considerável complexidade em relação à regra estabelecida com o objetivo de agilizar o procedimento de inventário, que é frequentemente taxado como demorado e intrincado.

Não obstante a isso, no processo de inventário, quando os sucessores estiverem em acordo mútuo (amigável), e até mesmo com a possibilidade de uma exceção em casos de incapazes, desde que com a concordância do Ministério Público (art. 665 do CPC/15), o prosseguimento ou conclusão não dependerá de debates relacionados ao valor da causa, ao pagamento das taxas judiciárias, à comprovação de lançamento e, menos ainda, à comprovação do recolhimento do ITCD.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 27/08/2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema Repetitivo 1074. Brasília, DF, ano. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1074&cod_tema_final=1074. Acesso em 27/08/2023.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Homologação da Partilha em Arrolamento Sumário Dispensa Prévio Recolhimento do ITCMD. In: STJ – NOTÍCIAS. Brasília, DF, 23 nov. 2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/23112022-Homologacao-da-partilha-em-arrolamento-sumario-dispensa-previo-recolhimento-do-ITCMD.aspx. Acesso em: 27 ago. 2023.

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